quinta-feira, 23 de julho de 2009
11:20 | Postado por
Martins
O DISTRITO FEDERAL NO MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO E SUAS REPERCUSSÕES PARA A INSTITUIÇÃO POLICIAL MILITAR
Ricardo da Fonseca Martins*
RESUMO
Este trabalho é uma reflexão sobre a questão da autonomia do Distrito Federal dentro do sistema federativo brasileiro e as conseqüências que existem para a instituição policial militar neste cenário. Trata-se de uma abordagem específica a partir dos marcos regulatórios vigentes e da doutrina sobre o tema federalismo.
Palavras-chave: federalismo, polícia militar, distrito federal, estados, autonomia, Constituição, lei orgânica, competência, Estado, estado, centralização, descentralização, institucional, entes federativos.
INTRODUÇÃO
Um dos princípios fundamentais da organização do Estado brasileiro estabelecido no artigo 1º. da Constituição afirma que o Brasil é uma “República Federativa”. Todavia ao se abordar o tema federalismo não se pode ter a percepção de que este conceito possui um significado absoluto. Valeriano Costa [1] (COSTA, 2007, p. 211), por exemplo, estabelece que o termo federalismo possui dois significados, que de um lado denota ideologia política para governar um Estado, seja pela idéia de centralização ou de descentralização do poder e por outro como uma forma de organizar concretamente as instituições.
Do ponto de vista conceitual tem-se então que federalismo sob a ótica da concentração e desconcentração do poder possui uma idéia mais geral de como os Estados federativos se fundamentam. Entretanto em uma visão institucional apresentam-se várias peculiaridades que não permitem admitir um traço único ao tratar do tema. Portanto é necessário identificar as particularidades do federalismo brasileiro, sobretudo as características do arranjo institucional, para que se possa entender o seu funcionamento.
Um componente fundamental para o entendimento do Estado Federativo Brasileiro é verificar a constituição institucional dos estados membros. É notório que existem muitas diferenças entre eles, mas é necessário saber o porquê dessas diferenças.
José Afonso da Silva [2] (SILVA, 2000, p. 475) entende que os estados são entidades típicas do Estado federal. São elas que asseguram a estrutura conceitual dessa forma de Estado. Sem eles não haveria federação. Todavia o que caracteriza a natureza não é o ente em si, mas o regime de autonomia. Assim a questão da autonomia dos entes da federação é um componente básico na construção institucional e na caracterização do sistema.
Valeriano Costa (COSTA, 2007, p. 211) afirma que é preciso estudar as instituições políticas e administrativas em todos os âmbitos da administração para que se possa entender como funciona realmente o federalismo em um país. Realmente a questão do federalismo não pode ser vista somente a partir de princípios gerais, é necessário que se busque identificar nas organizações do Estado como esses princípios estão presentes.
Surge então o foco desta abordagem: a questão da autonomia dos entes federativos é isonômica entre os estados membros e o Distrito Federal? Como isso se reflete no desenho institucional da União e dos entes federativos?
Vários doutrinadores do direito constitucional e da teoria geral do Estado identificam e estabelecem características fundamentais que caracterizam o Estado Federal. A união dos estados membros, a base jurídica constitucional, a inexistência do direito de secessão, a soberania do Estado Federal, o compartilhamento do poder político e, sobretudo, as atribuições da União e das unidades federativas fixadas nas competências contidas na Constituição Federal. Deste modo, o desenho institucional da composição dos governos será mais centralizado ou descentralizado conforme tais competências. Mais competências para os estados, mais descentralizado; mais competências para a União, mais centralizado.
Não se quer aqui argüir a partir das competências elencadas na Constituição Federal se o sistema federativo é mais ou menos centralizador. Há muitas teses controversas nesse sentido. Sabe-se, entretanto que é nesse modelo de competências, atribuições e autonomias que se equilibra o sistema e o Estado democrático de direito, que vem se consolidando desde 1988, quando o país adotou seu sistema democrático de organização estatal.
Ao se fazer, porém, uma verificação, ainda que a partir de um recorte específico, no elenco de competências dos entes da federação se pode constatar algumas diferenças. O ponto de partida há de ser a questão da autonomia e o conseqüente desenho institucional, e para tanto, adota-se como foco a Polícia Militar do Distrito Federal.
2. A POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL E SUA RELAÇÃO COM A AUTONOMIA DO DISTRITO FEDERAL
Chama a atenção dentre as peculiaridades institucionais a existência da unidade da Federação Distrito Federal, conforme preconiza o artigo 18 da Constituição Federal [3]·, e a configuração de sua autonomia político-administrativa.
Essa autonomia político-administrativa já teve historicamente outras configurações. O Distrito Federal, por exemplo, já foi administrado por um prefeito, estabelecendo uma similitude com os municípios, entretanto sempre com aspectos peculiares. Já teve nomeação pelo Presidente da República ao invés de eleição direta para o cargo de governador. Já foi legislada por uma comissão de três senadores da república ao invés de possuir um poder legislativo composto por deputados distritais. Mas para a discussão que se propõe, o que interessa é que com o estabelecimento do Estado democrático de direito, advindo da constituinte de 1988, o Distrito Federal foi alçado à condição de entidade membro da federação. Não é um estado, mas a ele se equipara. Não é um município, mas possui competência cumulativa deste em suas atribuições. É, portanto, um ente federativo especial.
No desdobramento dos preceitos da Constituição Federal, foi promulgada a Lei Orgânica do Distrito Federal [4] e seu artigo 1º. estabeleceu que O Distrito Federal possui pleno exercício de sua autonomia política, administrativa e financeira, observados os princípios constitucionais.
Ocorre que exatamente pelos princípios constitucionais se verifica uma autonomia distinta dos demais estados da federação, em alguns aspectos.
Valeriano Costa (COSTA, 2007, p.212) afirma que o grau de centralização ou descentralização do poder em um Estado federal depende da forma como funciona o poder central. Logo, o Distrito Federal, comparado com outras unidades da federação, possui uma autonomia mais restrita, portanto sendo um modelo mais voltado para a centralização do poder da União. Pode-se verificar o fenômeno em vários aspectos, mas o enfoque aqui é com relação à existência das instituições policiais e mais especificamente em relação à Polícia Militar do Distrito Federal.
As instituições policiais no Brasil foram disciplinadas no artigo 144 da Constituição Federal que estabelece:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
E mais adiante, o § 6º determina que a subordinação e o comando das corporações sejam exercidos pelos governadores dos estados e do Distrito Federal:
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Buscando especificar o conceito de autonomia socorre-se a José Afonso da Silva (SILVA, 2000, p. 104) que caracteriza a autonomia federativa assentada em dois elementos, quais sejam: independência dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura e competências exclusivas que não sejam reduzidas. Logo, o mandamento constitucional constante dos dispositivos acima descritos, em tese, se adéqua à doutrina do autor citado.
Focando agora a questão da competência, Charles Durand (apud SILVA, 2000, p. 105) afirma que o federalismo se caracteriza por “um Estado, que embora aparecendo único nas relações internacionais, é constituído por estados membros dotados de autonomia, notadamente quanto ao exercício de capacidade normativa sobre matérias reservadas à sua competência.” Reforça-se a idéia de que um aspecto importante para o entendimento do desenho institucional de uma federação que é a atribuição de competência.
Porém ao se refletir sobre a subordinação da Polícia Militar, especificado na dispositivo citado acima e se comparar com aspectos de competência atribuídos na Constituição Federal, verifica-se, no que tange ao Distrito Federal, que contornos bastante diferentes dos estados membros da federação afloram.
Uma diferença clara está no preceito constitucional contido no artigo 21, inciso XIV que prevê que é competência da União organizar e manter a polícia civil, a militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal. Os demais membros da federação, estados, são competentes para organizar e manter suas polícias.
Assim sendo, verifica-se que os poderes constituídos do Distrito Federal não possuem competência para organizar suas polícias, e que o ordenamento jurídico confere essa competência à União.
Nesse sentido, atos normativos e de comando, que normalmente são exercidos pelos governadores e pelo legislativo em nível regional, no caso do Distrito Federal são compartilhados com o Presidente da República e com a câmara federal. Por exemplo, a política remuneratória da instituição polícia militar é de iniciativa do Presidente da República. O mesmo ocorre com as regras e requisitos de avaliação de desempenho para os processos de promoção, matéria eminentemente administrativa. O governador do Distrito Federal pratica os atos de promoção, mas as regras e critérios estão consubstanciados em norma federal, que teve origem no executivo federal.
É possível, pelas razões acima expostas, inferir, no que se refere ao Distrito Federal, que existe uma autonomia mais restrita nesta seara ao se comparar com os estados. Denota, portanto, uma maior concentração de poder nas mãos da União.
A concentração de poder na União normalmente tem sido justificada a partir do princípio da predominância do interesse geral nacional em detrimento do interesse regional ou local. Não parece ser o caso em questão, em razão de estar evidente que o interesse presente na hipótese é local, muito mais que regional. Tal concentração evidencia resquícios autoritários que concebem as forças policiais como aparelhos de controle do Estado em detrimento da concepção de que elas devam ser forças a serviço do cidadão.
Há quem possa defender a tese de que o interesse nacional está presente pelo fato do Distrito Federal abrigar os órgãos do poder central do Estado, e que, portanto as instituições policiais precisam se vincular de algum modo a esse poder central. Embora pareça uma situação forçada, admitindo esta hipótese, surge desse modo, a admissão de uma estrutura de subordinação híbrida. Ora encontra fundamento para o seu funcionamento no poder local ou regional, ora encontra fundamento no poder central, federal.
A título de exemplificação do quão específico isso se torna, tem-se que a lei que fixa os efetivos de policiais militares do Distrito Federal é de competência federal e o plano de articulação das unidades, isto é, a distribuição dos efetivos pelas diversas unidades da polícia militar, é realizada pelo poder local. Ou seja, o que se quer apontar é que o Governo do Distrito Federal pode criar unidades, conforme sua política de segurança pública, mas o preenchimento dos cargos dessas unidades depende de autorização federal para o provimento ou criação, já que é a União quem organiza e mantém a corporação.
Corrobora ainda essa condição de restrição de autonomia o preceito contido no § 4º. do artigo 32 da Constituição Federal que preconiza que lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros. Portanto estamos diante da necessidade de uma autorização legal de nível federal para que o Governante do Distrito Federal possa empregar as forças policiais a ele subordinadas por força da Constituição Federal, ainda que tal lei ainda não tenha sido editada.
Assim, há quem apregoe por um lado, sob o ponto de vista da escassez dos recursos, que o governo do Distrito Federal goza de um privilégio de ter suas forças policiais custeadas pela União, através do fundo constitucional do Distrito Federal. Por outro, há aqueles que defendam a tese de que o Distrito Federal não possui poderes tão amplos quanto aos demais estados membros na condução das políticas de segurança públicas locais.
Evidentemente que esse cenário apresenta vantagens e desvantagens. Sob o ponto de vista da autonomia verifica-se existir certa restrição no comando e subordinação das referidas instituições. No entanto, no que se refere à integração da política nacional para a segurança pública à política local para essa função do Estado, o caminho está pavimentado para uma maior integração.
Há que se ressaltar ainda, que a existência de uma política nacional para a segurança pública mais consentânea com o Estado democrático de direito é fato muito recente. Até o ano 2000, o vínculo das policias militares se dava através do então Ministério do Exército, e essas forças representavam um aparelho de controle social do Estado. A própria constituição ainda estabelece que as polícias militares são reservas do exército, numa clara demonstração de restrição aos poderes conferidos aos governos estaduais. É possível que o desenho institucional ainda contenha resquícios de preocupação com o cumprimento do pacto federativo. Mas o remédio para isso também está na Constituição que prevê as hipóteses em que poderá haver intervenção nos estados e no Distrito Federal.
3. CONCLUSÃO
Pelo que se pode verificar existem diferenças no quesito autonomia quando se compara o Distrito Federal com outros entes federativos, pois a União concentrou mais competências em relação ao Distrito Federal, diferentemente do que ocorre nos estados membros da federação.
O desenho institucional do Distrito Federal, por essa razão apresenta contornos mais restritos quando comparado aos estados, fazendo surgir um sistema de compartilhamento híbrido, que estabelece relações mais próximas da União com o Distrito Federal e vice-versa.
A despeito da constatação, as crises de relacionamento entre o Distrito Federal e a União têm sido negociadas e as peculiaridades verificadas não chegam a afetar o equilíbrio do sistema federativo brasileiro. Se por um lado a autonomia é restringida pelo princípio que determina a organização da Polícia Militar do Distrito Federal pela União, por outro há uma compensação por essa perda de autonomia pela manutenção orçamentária e financeira das forças policiais do Distrito Federal também pela União. Valeriano Costa (COSTA, 2007, p. 212 e 218) já dizia que a vantagem do federalismo não consiste em eliminar a possibilidade de conflitos políticos entre os entes federativos, mas de se criar regras de resolução deles. Logo, é fato que há restrição de autonomia, mas por outro lado se verifica que a União financia muitas políticas regionais e locais. Esta tem sido a estratégia de solução de conflitos, já que dificilmente qualquer estado ou município é capaz de realizar suas políticas sem o apoio ou concordância do governo federal. Não tem sido diferente na segurança pública. Mas esse tema fica para outra conversa.
Ricardo da Fonseca Martins*
RESUMO
Este trabalho é uma reflexão sobre a questão da autonomia do Distrito Federal dentro do sistema federativo brasileiro e as conseqüências que existem para a instituição policial militar neste cenário. Trata-se de uma abordagem específica a partir dos marcos regulatórios vigentes e da doutrina sobre o tema federalismo.
Palavras-chave: federalismo, polícia militar, distrito federal, estados, autonomia, Constituição, lei orgânica, competência, Estado, estado, centralização, descentralização, institucional, entes federativos.
INTRODUÇÃO
Um dos princípios fundamentais da organização do Estado brasileiro estabelecido no artigo 1º. da Constituição afirma que o Brasil é uma “República Federativa”. Todavia ao se abordar o tema federalismo não se pode ter a percepção de que este conceito possui um significado absoluto. Valeriano Costa [1] (COSTA, 2007, p. 211), por exemplo, estabelece que o termo federalismo possui dois significados, que de um lado denota ideologia política para governar um Estado, seja pela idéia de centralização ou de descentralização do poder e por outro como uma forma de organizar concretamente as instituições.
Do ponto de vista conceitual tem-se então que federalismo sob a ótica da concentração e desconcentração do poder possui uma idéia mais geral de como os Estados federativos se fundamentam. Entretanto em uma visão institucional apresentam-se várias peculiaridades que não permitem admitir um traço único ao tratar do tema. Portanto é necessário identificar as particularidades do federalismo brasileiro, sobretudo as características do arranjo institucional, para que se possa entender o seu funcionamento.
Um componente fundamental para o entendimento do Estado Federativo Brasileiro é verificar a constituição institucional dos estados membros. É notório que existem muitas diferenças entre eles, mas é necessário saber o porquê dessas diferenças.
José Afonso da Silva [2] (SILVA, 2000, p. 475) entende que os estados são entidades típicas do Estado federal. São elas que asseguram a estrutura conceitual dessa forma de Estado. Sem eles não haveria federação. Todavia o que caracteriza a natureza não é o ente em si, mas o regime de autonomia. Assim a questão da autonomia dos entes da federação é um componente básico na construção institucional e na caracterização do sistema.
Valeriano Costa (COSTA, 2007, p. 211) afirma que é preciso estudar as instituições políticas e administrativas em todos os âmbitos da administração para que se possa entender como funciona realmente o federalismo em um país. Realmente a questão do federalismo não pode ser vista somente a partir de princípios gerais, é necessário que se busque identificar nas organizações do Estado como esses princípios estão presentes.
Surge então o foco desta abordagem: a questão da autonomia dos entes federativos é isonômica entre os estados membros e o Distrito Federal? Como isso se reflete no desenho institucional da União e dos entes federativos?
Vários doutrinadores do direito constitucional e da teoria geral do Estado identificam e estabelecem características fundamentais que caracterizam o Estado Federal. A união dos estados membros, a base jurídica constitucional, a inexistência do direito de secessão, a soberania do Estado Federal, o compartilhamento do poder político e, sobretudo, as atribuições da União e das unidades federativas fixadas nas competências contidas na Constituição Federal. Deste modo, o desenho institucional da composição dos governos será mais centralizado ou descentralizado conforme tais competências. Mais competências para os estados, mais descentralizado; mais competências para a União, mais centralizado.
Não se quer aqui argüir a partir das competências elencadas na Constituição Federal se o sistema federativo é mais ou menos centralizador. Há muitas teses controversas nesse sentido. Sabe-se, entretanto que é nesse modelo de competências, atribuições e autonomias que se equilibra o sistema e o Estado democrático de direito, que vem se consolidando desde 1988, quando o país adotou seu sistema democrático de organização estatal.
Ao se fazer, porém, uma verificação, ainda que a partir de um recorte específico, no elenco de competências dos entes da federação se pode constatar algumas diferenças. O ponto de partida há de ser a questão da autonomia e o conseqüente desenho institucional, e para tanto, adota-se como foco a Polícia Militar do Distrito Federal.
2. A POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL E SUA RELAÇÃO COM A AUTONOMIA DO DISTRITO FEDERAL
Chama a atenção dentre as peculiaridades institucionais a existência da unidade da Federação Distrito Federal, conforme preconiza o artigo 18 da Constituição Federal [3]·, e a configuração de sua autonomia político-administrativa.
Essa autonomia político-administrativa já teve historicamente outras configurações. O Distrito Federal, por exemplo, já foi administrado por um prefeito, estabelecendo uma similitude com os municípios, entretanto sempre com aspectos peculiares. Já teve nomeação pelo Presidente da República ao invés de eleição direta para o cargo de governador. Já foi legislada por uma comissão de três senadores da república ao invés de possuir um poder legislativo composto por deputados distritais. Mas para a discussão que se propõe, o que interessa é que com o estabelecimento do Estado democrático de direito, advindo da constituinte de 1988, o Distrito Federal foi alçado à condição de entidade membro da federação. Não é um estado, mas a ele se equipara. Não é um município, mas possui competência cumulativa deste em suas atribuições. É, portanto, um ente federativo especial.
No desdobramento dos preceitos da Constituição Federal, foi promulgada a Lei Orgânica do Distrito Federal [4] e seu artigo 1º. estabeleceu que O Distrito Federal possui pleno exercício de sua autonomia política, administrativa e financeira, observados os princípios constitucionais.
Ocorre que exatamente pelos princípios constitucionais se verifica uma autonomia distinta dos demais estados da federação, em alguns aspectos.
Valeriano Costa (COSTA, 2007, p.212) afirma que o grau de centralização ou descentralização do poder em um Estado federal depende da forma como funciona o poder central. Logo, o Distrito Federal, comparado com outras unidades da federação, possui uma autonomia mais restrita, portanto sendo um modelo mais voltado para a centralização do poder da União. Pode-se verificar o fenômeno em vários aspectos, mas o enfoque aqui é com relação à existência das instituições policiais e mais especificamente em relação à Polícia Militar do Distrito Federal.
As instituições policiais no Brasil foram disciplinadas no artigo 144 da Constituição Federal que estabelece:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
E mais adiante, o § 6º determina que a subordinação e o comando das corporações sejam exercidos pelos governadores dos estados e do Distrito Federal:
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Buscando especificar o conceito de autonomia socorre-se a José Afonso da Silva (SILVA, 2000, p. 104) que caracteriza a autonomia federativa assentada em dois elementos, quais sejam: independência dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura e competências exclusivas que não sejam reduzidas. Logo, o mandamento constitucional constante dos dispositivos acima descritos, em tese, se adéqua à doutrina do autor citado.
Focando agora a questão da competência, Charles Durand (apud SILVA, 2000, p. 105) afirma que o federalismo se caracteriza por “um Estado, que embora aparecendo único nas relações internacionais, é constituído por estados membros dotados de autonomia, notadamente quanto ao exercício de capacidade normativa sobre matérias reservadas à sua competência.” Reforça-se a idéia de que um aspecto importante para o entendimento do desenho institucional de uma federação que é a atribuição de competência.
Porém ao se refletir sobre a subordinação da Polícia Militar, especificado na dispositivo citado acima e se comparar com aspectos de competência atribuídos na Constituição Federal, verifica-se, no que tange ao Distrito Federal, que contornos bastante diferentes dos estados membros da federação afloram.
Uma diferença clara está no preceito constitucional contido no artigo 21, inciso XIV que prevê que é competência da União organizar e manter a polícia civil, a militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal. Os demais membros da federação, estados, são competentes para organizar e manter suas polícias.
Assim sendo, verifica-se que os poderes constituídos do Distrito Federal não possuem competência para organizar suas polícias, e que o ordenamento jurídico confere essa competência à União.
Nesse sentido, atos normativos e de comando, que normalmente são exercidos pelos governadores e pelo legislativo em nível regional, no caso do Distrito Federal são compartilhados com o Presidente da República e com a câmara federal. Por exemplo, a política remuneratória da instituição polícia militar é de iniciativa do Presidente da República. O mesmo ocorre com as regras e requisitos de avaliação de desempenho para os processos de promoção, matéria eminentemente administrativa. O governador do Distrito Federal pratica os atos de promoção, mas as regras e critérios estão consubstanciados em norma federal, que teve origem no executivo federal.
É possível, pelas razões acima expostas, inferir, no que se refere ao Distrito Federal, que existe uma autonomia mais restrita nesta seara ao se comparar com os estados. Denota, portanto, uma maior concentração de poder nas mãos da União.
A concentração de poder na União normalmente tem sido justificada a partir do princípio da predominância do interesse geral nacional em detrimento do interesse regional ou local. Não parece ser o caso em questão, em razão de estar evidente que o interesse presente na hipótese é local, muito mais que regional. Tal concentração evidencia resquícios autoritários que concebem as forças policiais como aparelhos de controle do Estado em detrimento da concepção de que elas devam ser forças a serviço do cidadão.
Há quem possa defender a tese de que o interesse nacional está presente pelo fato do Distrito Federal abrigar os órgãos do poder central do Estado, e que, portanto as instituições policiais precisam se vincular de algum modo a esse poder central. Embora pareça uma situação forçada, admitindo esta hipótese, surge desse modo, a admissão de uma estrutura de subordinação híbrida. Ora encontra fundamento para o seu funcionamento no poder local ou regional, ora encontra fundamento no poder central, federal.
A título de exemplificação do quão específico isso se torna, tem-se que a lei que fixa os efetivos de policiais militares do Distrito Federal é de competência federal e o plano de articulação das unidades, isto é, a distribuição dos efetivos pelas diversas unidades da polícia militar, é realizada pelo poder local. Ou seja, o que se quer apontar é que o Governo do Distrito Federal pode criar unidades, conforme sua política de segurança pública, mas o preenchimento dos cargos dessas unidades depende de autorização federal para o provimento ou criação, já que é a União quem organiza e mantém a corporação.
Corrobora ainda essa condição de restrição de autonomia o preceito contido no § 4º. do artigo 32 da Constituição Federal que preconiza que lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros. Portanto estamos diante da necessidade de uma autorização legal de nível federal para que o Governante do Distrito Federal possa empregar as forças policiais a ele subordinadas por força da Constituição Federal, ainda que tal lei ainda não tenha sido editada.
Assim, há quem apregoe por um lado, sob o ponto de vista da escassez dos recursos, que o governo do Distrito Federal goza de um privilégio de ter suas forças policiais custeadas pela União, através do fundo constitucional do Distrito Federal. Por outro, há aqueles que defendam a tese de que o Distrito Federal não possui poderes tão amplos quanto aos demais estados membros na condução das políticas de segurança públicas locais.
Evidentemente que esse cenário apresenta vantagens e desvantagens. Sob o ponto de vista da autonomia verifica-se existir certa restrição no comando e subordinação das referidas instituições. No entanto, no que se refere à integração da política nacional para a segurança pública à política local para essa função do Estado, o caminho está pavimentado para uma maior integração.
Há que se ressaltar ainda, que a existência de uma política nacional para a segurança pública mais consentânea com o Estado democrático de direito é fato muito recente. Até o ano 2000, o vínculo das policias militares se dava através do então Ministério do Exército, e essas forças representavam um aparelho de controle social do Estado. A própria constituição ainda estabelece que as polícias militares são reservas do exército, numa clara demonstração de restrição aos poderes conferidos aos governos estaduais. É possível que o desenho institucional ainda contenha resquícios de preocupação com o cumprimento do pacto federativo. Mas o remédio para isso também está na Constituição que prevê as hipóteses em que poderá haver intervenção nos estados e no Distrito Federal.
3. CONCLUSÃO
Pelo que se pode verificar existem diferenças no quesito autonomia quando se compara o Distrito Federal com outros entes federativos, pois a União concentrou mais competências em relação ao Distrito Federal, diferentemente do que ocorre nos estados membros da federação.
O desenho institucional do Distrito Federal, por essa razão apresenta contornos mais restritos quando comparado aos estados, fazendo surgir um sistema de compartilhamento híbrido, que estabelece relações mais próximas da União com o Distrito Federal e vice-versa.
A despeito da constatação, as crises de relacionamento entre o Distrito Federal e a União têm sido negociadas e as peculiaridades verificadas não chegam a afetar o equilíbrio do sistema federativo brasileiro. Se por um lado a autonomia é restringida pelo princípio que determina a organização da Polícia Militar do Distrito Federal pela União, por outro há uma compensação por essa perda de autonomia pela manutenção orçamentária e financeira das forças policiais do Distrito Federal também pela União. Valeriano Costa (COSTA, 2007, p. 212 e 218) já dizia que a vantagem do federalismo não consiste em eliminar a possibilidade de conflitos políticos entre os entes federativos, mas de se criar regras de resolução deles. Logo, é fato que há restrição de autonomia, mas por outro lado se verifica que a União financia muitas políticas regionais e locais. Esta tem sido a estratégia de solução de conflitos, já que dificilmente qualquer estado ou município é capaz de realizar suas políticas sem o apoio ou concordância do governo federal. Não tem sido diferente na segurança pública. Mas esse tema fica para outra conversa.
* Pós-Graduando do CIPAD – 7 /2008 da FGV
Coronel da Polícia Militar do Distrito Federal
Chefe da Assessoria Militar do Governo do Distrito Federal
Especialista em Gestão Estratégica em Segurança Pública
Universidade do Estado da Bahia – 2006
e-mail: martins011060@gmail.com
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] COSTA, Valeriano. Federalismo. In AVELAR, Lúcia; CINTRA, Antonio. Sistema político brasileiro: uma introdução. – Rio de Janeiro: Fundação Konrad – Adenauer. UNESP, 2007. Cap 1, Parte 3. p. 211 – 223.
[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 2000. 18 ed. rev. atual.
[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico do Senado, 1988.
[4] DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal. Vest-Con Editora, 1996.
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