domingo, 12 de julho de 2009

I - INTRODUÇÃO

As mazelas sociais, políticas e econômicas do Brasil foram capazes de produzir um cenário de insegurança, crime e violência que tem assolado a população brasileira. Inúmeros eventos criminosos ocorridos, muitos caracterizados como violentos outros como ligados ao crime organizado e tantos outros mais de natureza de criminalidade comum têm chocado o país, que parece ter sido acometido por uma fleuma causada por essa endemia de violência.

Muitas pessoas afirmam que a violência, que degenera a sociedade, foi capaz de tirar a capacidade de indignação das pessoas. Mas o fato é que a sociedade está gritando por socorro e isso tem sido possível de ser identificado em muitas expressões leigas, científicas e artísticas. Os fatos violentos ocorrem cada vez mais a nossa volta, quando não ocorrem conosco, e a realidade bate às nossas portas. As discussões sobre segurança pública permeiam desde os assuntos de bate-papo da esquina nos bairros até os centros de debates científicos e acadêmicos. A mídia reverbera diariamente novos crimes e atos violentos deixando indefinidamente o tema segurança pública na ordem do dia.

Nesse cenário a polícia acaba assumindo um papel de protagonista, seja pela expectativa que se deposita nela para liderar a solução dos problemas, seja pelos crimes e violência que ela mesma gera. Nasce nesse contexto dialético a relação polícia e sociedade. Discute-se hoje, como sempre se discutiu a questão da profissionalização das polícias que “... no Brasil, caminhou na direção contrária ao princípio de isenção do Estado e das instituições que o compõe.” (BASTOS NETO, 2006, p. 261). Pode-se dizer que hoje é possível se desenhar o perfil de uma polícia que se quer, e que ainda falta bastante para ser alcançada.

II – DESENVOLVIMENTO

Ao se abordar os problemas relacionados com a profissionalização da polícia, um tema, invariavelmente vêm à baila: a polícia é mal formada para o seu mister. Não é de hoje que se ouve que a polícia é mal formada, mal preparada.

O caminho que leva para a formação policial “adequada” passa necessariamente pelo estabelecimento de uma política que estruture a formação policial. Historicamente no Brasil as políticas de segurança pública têm-se reduzido a aumentar efetivos, adquirirem-se viaturas, armas e equipamentos e aumentar salários, quando possível, principalmente depois dos governos militares. A questão da formação profissional geralmente foi tratada a partir de padrões alienígenas, através de acordos de cooperação internacional, que refletia os interesses do país que dava o suporte em detrimento das necessidades internas. Esses colaboradores fizeram a cabeça da polícia brasileira.

Segundo Bastos Neto (2006, p. 258) “é difícil, inclusive, determinar quando surge a polícia mesmo que na sua versão moderna”. Entretanto, fazendo um corte epistemológico para o período analisado por Huggins (1998), verifica-se que a questão da formação remonta aos idos de 1906. “Em 1906, os franceses foram chamados ao Estado de São Paulo, pelo Governador Jorge Tibiriçá. Os franceses queriam conter a influência alemã na América Latina, ganhar influência política e ideológica no Brasil, e assegurar para seu país um status privilegiado no comércio...” (FERNANDES, 1974, apud, HUGGINS, 1998, p.40). Verifica-se historicamente que esse recurso de solicitar ajuda internacional para a profissionalização da polícia é um fato bastante antigo, e que se repetiu ao longo de décadas, principalmente com a duradoura cooperação estadunidense que moldou o perfil profissional do policial brasileiro que serviu até o fim do governo militar, e que ainda refletem na formação atual, posto que o que se seguiu a esse período foi uma fase de ausência de política para a profissionalização do policial brasileiro.

A Constituição de 1988, ao tratar da segurança pública, instituiu a descentralização e o controle das forças de segurança para que os Estados Federados as administrassem, talvez na tentativa de elidir a pecha de polícia política que essas forças tiveram durante a centralização no regime militar. Isso, no entanto, vem a corroborar a tese defendida por Huggins de que a profissionalização policial sofre a influência de uma espécie de movimento pendular, que ora tende a centralização e ora tende a descentralização ou privatização em meio a processos de degeneração motivada por vários fatores. Em suma, qualquer que seja o modelo o desgaste é inevitável em razão dos problemas e conseqüências advindas, assim como pelo aparecimento de novas demandas sociais em termos de segurança.

Após o período do regime militar a política de segurança pública viveu uma espécie de limbo, conseqüência do repúdio social ao modelo de polícia repressora, política, violenta, engajada em uma doutrina de Segurança Nacional, preocupada em atender somente às demandas do Estado. “A confusão entre segurança pública e segurança nacional não foi mero acaso e para manter a ordem, na iminência da desordem, foi e ainda é preciso uma polícia política” (BASTOS NETO, 2006, p. 258). Ficou muito claro qual o modelo que não se queria, mas não se estabeleceu um padrão para as forças de segurança do Brasil. Cada Estado da Federação, por conta de sua competência constitucional, adotou uma política medíocre de profissionalização de suas polícias ao passo que o crime se organizou, a criminalidade cresceu, sofisticou-se e globalizou-se, expandindo seus domínios entre estados e países, e a violência recrudesceu. Resultado: a situação da segurança pública se evidenciou desorganizada e atingiu a um estágio de crise intensa, como a que se vive atualmente. “O que o cidadão comum não consegue entender é que os sistemas de segurança pública dos estados membros da federação, já faz muito tempo, não atendem às necessidades mais prementes da situação real” (BASTOS NETO, 2006, p. 269).

A partir de 1998 surge a primeira providência institucional no sentido de se alavancar uma política nacional de segurança pública que foi a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Num primeiro momento este novo órgão, vinculado ao Ministério de Justiça e não mais a um ministério militar, serviu de ponte de repasse de recursos da União para os Estados para investimento em segurança pública e apresentou um arremedo de um sistema de informação centralizado (INFOSEG) e um Plano Nacional de Segurança Pública. Com a instauração de um novo governo em 2003, novo Plano Nacional de Segurança Pública é elaborado, desta feita sob a forma de planejamento estratégico, com a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), com o estabelecimento de sete ações estruturantes (Gestão do Conhecimento e informações criminais, Formação e valorização profissional das forças de segurança pública, Gestão das organizações, Programas de Prevenção, Estruturação e Modernização da Perícia, Controle Externo e Participação Social e Ações para redução da violência). Seguem-se as assinaturas de convênios com os Estados para adesão ao SUSP, já que os entes federados são autônomos e responsáveis cada qual por sua política de segurança pública. Todos aderem no interesse de acesso aos investimentos federais. Tudo isso para delinear que se quer uma estrutura policial democrática que, como dizia Monet (apud BASTOS NETO, 2006, p. 260), “é mais um slogan ou um voto de confiança que uma realidade”. A polícia há de ser cidadã, integrada, comunitária, científica, que usa métodos de inteligência, respeitadora de direitos humanos, consciente do seu papel social, etc. Ademais, os diagnósticos apontam para a certeza de que não se combate o crime organizado sem a existência de uma estrutura coordenada, integrada ou mesmo centralizada. Isso deu uma direção estratégica para a polícia que se quer, que supostamente a sociedade almeja, pela legitimação do mandato político concedido aos governantes.

A formação profissional vem no bojo dessas medidas, agora com uma ação estruturante nascida de um plano estratégico e dos planos de ação conseqüentes. A preocupação é com uma reforma estrutural das polícias da qual possa emergir valores éticos, de respeito aos direitos humanos, apartados de aspectos degenerativos de corrupção, criminalidade, etc. Trata-se de um afastamento claro dos padrões degenerados que vigoraram durante o regime militar, cujos resquícios permanecem até hoje. É um ideal utópico que se insere no contexto de visão que comporta um planejamento estratégico, mas que pode sofrer uma grande crítica a partir da análise do cenário, onde se identificam fatores que contribuem favorável e desfavoravelmente para consecução dos objetivos. O que se quer dizer é que a visão é de surgimento de instituições éticas, “preparadas”, legalistas, etc a partir de uma sociedade envolvida em vários níveis com o crime organizado, atos de corrupção. Constitui-se no ressurgimento de uma outra fênix.

A questão da integração se apresenta como a panacéia para muitos dos males da segurança pública, o que pode ser entendido também dentro da visão do movimento pendular descrito acima, como a busca novamente de um padrão de polícia centralizada, desta vez sob o manto de uma doutrina de integração interinstitucional. Mas que suas ações estejam voltadas ao atendimento das necessidades dos cidadãos, portanto privatizada, não agindo tão-somente no interesse do Estado, o que evidencia uma postura autoritária. Esse complexo modelo desenhado evidencia paradoxos e contradições que estão relacionados diretamente com o problema de se equacionar liberdade, ideal democrático, e interesse público, supremacia do Estado em detrimento do cidadão. Nesse contexto já se pode perceber uma crise de identidade entre o exercício da autoridade conferida e a missão de servir, não a sociedade, mas ao cidadão.

As forças de segurança pública estão nesse processo buscando sua nova identidade e se adequando ao novo modelo proposto, o que não é tarefa simples. Até porque “a necessidade de modernização das polícias não se confronta com os interesses policiais e sim com interesses políticos” (BASTOS NESTO, 2006, p. 270). Somente para exemplificar: o governo federal propõe a estruturação de uma polícia comunitária, cidadã e ao mesmo tempo reúne policiais dos estados federados em torno de um projeto de uma força de segurança pública nacional como instrumento de controle social do Estado Brasileiro. Afinal a vocação é comunitária ou estatal? Parece que os últimos episódios de atentados criminosos contra a segurança pública, como os que ocorreram em São Paulo recentemente, começam a degenerar o padrão de polícia comunitária, que nem mesmo chegou a ser implantada como doutrina consolidada. Estava-se indo na direção do pêndulo que tendia para uma polícia democrática e ele já volta indicando ou justificando a existência de alguns padrões autoritários em razão do quadro social que muda. É de se refletir sobre as questões propostas por Huggins no posfácio de seu trabalho (1998, p. 237):

Mais do que propor uma série de respostas, este estudo sugeriu grande número de indagações inquietantes. Onde termina a dialética da centralização e da degenerescência? A forma persecutória, uma vez institucionalmente estabelecida, produzirá algum dia de maneira plena um Estado não-persecutório? Um Estado baseado em uma chantagem protecionista pode ser substituído por outro fundado na legitimidade política popular? Podem os Estados democráticos antigos e os emergentes conservar sua legitimidade democrática enquanto vendem proteção policial?

Reconheça-se que essa tem sido uma tentativa séria na busca de soluções, em termos de planejamento, que poderá render bons frutos. Mas há que se ressaltar que não é só com planejamento que se faz uma política deslanchar. É necessário que se agreguem outros elementos e um deles é investimento. E essa contrapartida, considerando os graves problemas assinalados, parece ser objeto de retórica, já que os recursos para investimento no SUSP vem diminuindo ano após ano nos orçamentos apresentados, sem contar os contingenciamentos impostos a cada ano, conforme se verifica no relatório sobre o sistema de segurança único produzido pela própria SENASP.

Enfim, formação policial é um mote que permite inúmeras abordagens diferentes e complexas, e que certamente é um elemento chave para a constituição de um modelo policial desejado.


III - CONCLUSÃO

É necessário, portanto, que se considere que a formação policial ideal reflete, ou deveria refletir, o que a sociedade quer para si. Logo a formação é um caminho para se chegar a esse ideal.

Não se pode ter a pretensão de que a formação, ainda que tenha a capacidade transformadora pelo conhecimento, seja capaz de por si só modificar o sistema de segurança pública do Brasil e forjar um super-herói policial. Ela há de ser uma das ferramentas para atingir esse objetivo. Os problemas são mais complexos e exigem muitas outras medidas.

A questão da formação será sempre um problema na medida em que não existe um modelo pronto, ideal, imutável. As novas demandas sociais farão com que um determinado modelo esteja defasado, anacrônico, ultrapassado nesse processo de eterna evolução. Assim, o modelo de polícia autoritária que servia aos propósitos da política de segurança nacional dos governos militares e aos propósitos da política internacional estadunidense não era de uma polícia mal formada, ao contrário serviu muito bem a tais propósitos.

Nesse contexto, a formação estará sempre a reboque dos propósitos, anseios e da degenerescência que vem a ocasionar esse movimento pendular, ora tendendo a centralização, ora tendendo a descentralização; ora tendendo ao atendimento dos interesses do Estado, ora tendendo aos interesses privados dos cidadãos; ora democrática, ora autoritária. “A mudança de mentalidades, de concepções morais e por conseqüência o surgimento de novas interpretações e leis a respeito do crime contribuíram, sobremaneira, para as mudanças nos perfis de atuação da polícia” (BASTOS NETO, 2006, p. 259), e por via de conseqüência na mudança do processo de formação dos policiais. Daí a queixa de que a formação policial nunca é adequada para os padrões exigidos para a sociedade.


THE IMPORTANCE OF THE POLICE EDUCATION FOR THE PUBLIC SAFETY

ABSTRACT


This Paper is elaborated with the purpose to evaluate and to discuss the importance of the formation and training programs used by police forces in Brazil, in a professional level, considering the fact that now a days Public Safety in our country is under a process of establishment of a new policy, where the education process is considered as one of the various strategies to reach public safety purposes.

PALAVRAS CHAVES: formação profissional, política de segurança pública, financiamento, centralização, direitos humanos, democrática, autoritária, perfil, formação policial, SENASP, SUSP.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS NETO, Osvaldo. Introdução à segurança pública como segurança social: uma hermenêutica do crime. Salvador: Ler, 2006.

HUGGINS, Martha K. Polícia e Política: relações Estados Unidos/América Latina. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Cortez, 1998.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, SENASP. Relatório de atividades de implantação do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília, 2006.

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